Exposição na USP conecta geologia, arte e a vida humana

Em cartaz na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), a mostra Quartzoteka, da escultora Denise Milan, conta a história do planeta através de pedras e cristais

 27/03/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Julia Alencar*

Arte: Joyce Tenório**

A escultora Denise Milan, formada em Economia pela USP, trabalhou durante 21 anos nas obras exibidas na exposição Quartzoteka - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Pedras imponentes e esculturas delicadas são vistas pelo visitante assim que ele adentra o subsolo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP, na Cidade Universitária. “São os guardiões da memória da Terra, carregando consigo a história de milhões de anos atrás, desde o Big-Bang até o surgimento dos humanos, eternizada em seus veios”, como afirma a escultora Denise Milan, que realiza a exposição Quartzoteka, em cartaz na BBM até 17 de maio. Realizada em parceria com a Dan Galeria, a mostra traz cerca de 30 peças da artista – quartzos esculpidos em forma de livros –, que refletem duas décadas de trabalho artístico.

Além dos quartzos em forma de livros, estão expostos também geodos brutos de ametista, placas de bronze, rolos de sodalita, um vídeo e a instalação intitulada Útero Magmático (2023).

Como explica Denise, as ametistas nasceram em bolhas de ar no interior da Terra, resistindo a vulcanismos e intempéries para chegar aos dias de hoje. “Elas passam a mensagem de que a vida continua. São a validação de que nem tudo vai desaparecer, uma esperança frente aos tempos conturbados que vivemos atualmente”, conta a escultora. Dos geodos dispostos no espaço, Agrégora (2006), que simboliza o princípio feminino da transformação, é a única peça aberta, revelando a formação de cristais de ametista em seu interior.

No canto da sala e próximos da Agrégora, duas mesas expõem a série Tablets da Terra (2011/2015), placas de bronze intercaladas com rolos de sodalita, uma pedra azul formada há 650 milhões de anos que simboliza os fragmentos da Terra. Nas placas, é possível acompanhar cada um dos passos da transformação da Agrégora, colocando em evidência que nenhuma transformação é imediata. “Cada uma das ametistas passa por um processo para ir do caos à ordem e atingir o precioso, assim como em nossas vidas”, diz a artista.

Projetado na parede oposta aos quartzos, o vídeo presente na mostra é uma junção do metapoema A Pedra Despedra da Pedra, de Haroldo de Campos, com imagens e os chamados “ideogramas da Terra”, glossário desenvolvido por Denise a partir da observação dos átomos e moléculas dentro da pedra. “A pedra nada mais é do que cada um de nós. Olhar para dentro da pedra é como buscar por nosso próprio interior, por aquilo que nos escapa”, explica Denise. “A narrativa está ora no volume dos livros de pedra e livros basálticos, ora nos ideogramas da Terra, tudo a partir dos desenhos internos da pedra e das narrativas que contam.”

Já a instalação Útero Magmático, em que um orifício numa placa redonda de pedra revela uma formação de quartzo, é iluminada por uma luz rosa, para revelar aspectos despercebidos do cristal. Essa luz foi desenvolvida em parceria com cientistas estadunidenses. A instalação não apenas remete às viagens da artista, recriando a atmosfera misteriosa e silenciosa das cavernas, mas também simboliza o início de toda matéria, remetendo a um útero humano. “O mundo mineral pertence à crosta, a camada mais externa da Terra, assim como nós, seres humanos. Os humanos e os cristais têm origem exatamente no mesmo lugar, nós somos vizinhos desses elementos, e essa obra simboliza essas semelhanças e conexões.” Para Denise, o ser humano foi imaginado dentro das rochas antes mesmo de existir”, como escreve, no catálogo da mostra, o professor Luiz Armando Bagolin, pesquisador do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e curador da exposição.

Movimento e dinamismo nas pedras

A paixão de Denise pelas pedras começou aos 5 anos de idade, quando seu pai lhe deu uma caixa com diferentes amostras de pedras. “Eu sempre olhei para as pedras de maneira muito singular, enxergando vida, movimento, dinamismo. Desenvolvi uma curiosidade muito grande sobre cristais, que é uma pedra translúcida, ou seja, que se transforma através da lucidez e que se manifesta quase como uma obra mítica, e assim fui entender melhor sobre seu nascimento”, conta a escultora, que nasceu em São Paulo em 1954, se formou em Economia pela USP nos anos 1970 e já realizou exposições em várias partes do mundo.

“A pedra traz sua própria linguagem, a linguagem da Terra, e por isso me remeteu aos livros. A pedra vem como narradora, protagonista de uma história, e os livros são o suporte para essas histórias”, explica Denise. Alguns dos quartzos esculpidos em forma de livro contam com objetos que auxiliam na construção dessas narrativas, como uma lupa, uma balança e miniaturas de pessoas. “O quartzo na forma de livro é suporte para instrumentos de observação científica, lupas e lentes, dando a entender que a ciência aliada à arte é uma forma de acessar esse mundo mineral e seus segredos”, analisa Bagolin no catálogo da exposição.

“…cristal em chamas vulva-geodo…
…o cristal é o poeta do minério…
…a escultura transmuda a pedra
a pedra muda a fala…
Fogofluesssência”

“As miniaturas de humanos observam as pedras dentro do livro, remetendo à perplexidade e ao ato de contemplação do homem perante essas revelações lindas pela pedra”, completa Denise. Os livros, ora abertos, ora fechados, são como um grande quebra-cabeça da história da Terra e do Universo. “Os livros da nossa vida também são dessa forma, podem estar na estante, à espera de serem lidos, no meio de uma história ou completamente esquecidos”, pondera. Além dos objetos que repousam em cima dos livros, há também fragmentos de quartzo coloridos, utilizando-se da pareidolia — fenômeno psicológico que faz com que enxerguemos formas familiares em objetos, como nas nuvens — para complementar as histórias.

A escolha do local da exposição também não foi por acaso. Além de o espaço, no subsolo da BBM, remeter ao centro do planeta e ao processo de formação dos cristais e pedras, não haveria um lugar melhor para expor peças em forma de livros e todo o conhecimento das pedras do que uma biblioteca universitária. “A universidade é identificada como um local de cultivo das ciências nos seus vários campos, e o mundo mineral guarda conhecimentos primordiais sobre o planeta Terra. O subsolo da BBM representa essa conexão entre o conhecimento mineral e humano”, disse Bagolin ao Jornal da USP. “A exposição como um todo marca também essa interdisciplinaridade, a junção entre o conhecimento científico, geológico e artístico. A USP é justamente a intersecção de vários campos do conhecimento, e é uma oportunidade incrível ver áreas como a geociência representadas pelo viés das artes plásticas”, conclui o professor.

Interior do Útero Magmático (2023), que representa a proximidade entre minerais e humanos – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A exposição Quartzoteka está em cartaz até 17 de maio, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h, na Galeria do BNDES da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas no site da Biblioteca

* Estagiária sob supervisão de Marcello Rollemberg e Roberto C. G. Castro
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

Coração do Brasil: conheça a obra de arte que Emmanuel Macron recebeu em sua visita à USP

Criada pela artista plástica Denise Milan, a escultura traz diversas simbologias por meio do diálogo entre arte e ciência

 27/03/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Michel Sitnik

Coração do Brasil, escultura em quartzo e ametista de autoria de Denise Milan - Foto: Arquivo pessoal

O presidente da França, Emmanuel Macron, esteve na USP nesta quarta, 27 de março, em evento que marcou a inauguração do Instituto Pasteur de São Paulo, localizado no Centro de Inovação (InovaUSP) da Universidade. 

Um dos momentos dessa visita foi a entrega, ao governante francês, de uma obra de arte brasileira, que despertou a curiosidade dos presentes. 

Trata-se da escultura Coração do Brasil, de autoria da artista plástica Denise Milan, que fez a doação da obra. 

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A artista conta que, ao saber que a USP tinha intenção de oferecer um presente ao líder europeu, teve uma inspiração que a levou à criação desta obra: “O nome dela é Coração do Brasil, e ela sintetiza tudo aquilo que está exposto em Quartzoteka. É interessante que a USP esteja oferecendo um símbolo, que é um livro de quartzo com ametista, vindo dos subterrâneos brasileiros. A ametista é uma manifestação belíssima da matéria, que traz ensinamentos infindáveis e representa um patrimônio que o Brasil tem debaixo dos nossos pés e muitas vezes não percebemos”. 

Outra simbologia importante, na visão de Denise, é que o presente, que agora segue para a França, tenha nascido no contexto da USP, onde ela própria estudou nos anos 1970: “O material de Coração do Brasil revela o que é sobreviver no século 21, às mudanças climáticas, um tema que a USP está extremamente empenhada em discutir, assim como o próprio presidente Macron, que tem proposto a busca por soluções. A pedra também representa uma solução: uma ametista se forma superando embates em meio às lavas vulcânicas e altíssimas temperaturas. Estamos falando de pedras que se formaram em uma bolha de ar e conseguiram sobreviver há milhões de anos, simbolizando uma lição impressionante de como nós também podemos superar obstáculos e de como os conflitos não estão aqui para necessariamente nos destruir. Eles podem ser oportunidades para que encontremos soluções novas que nos coloquem em uma outra posição perante a natureza”. 

Denise conta, ainda, que criou, junto com a obra de arte, um poema a respeito: 

Coração do Brasil
Estrela de ametista dentro da terra
A expandir seus ensinamentos para todos os cantos do Universo
Vida que se transforma
Supera obstáculos
E em meio aos conflitos do magma, conquista seu propósito maior
Brilha e norteia a Humanidade
A prosperar rumo ao infinito

A vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda, comemorou a oportunidade: “Tenho acompanhado o trabalho de Denise Milan há muitos anos. Além de egressa desta Universidade, estamos falando de uma expoente internacional da arte brasileira, com destaque em exposições e eventos em diversos países. Para a USP é bastante relevante estarmos recebendo essa doação para a entrega ao representante do governo francês nessa visita à USP”. Maria Arminda ressaltou também o convite para que o público conheça as obras expostas na BBM: “Uma montagem notável, que vai impressionar os visitantes não só pela beleza, mas por todo o cuidado que foi colocado na criação dessas obras e na curadoria”.


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