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Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP

Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

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Representante:

CADE ex officio.

Representados:

Prosegur Brasil Transportadora de Valores e Segurança S.A.

Advogados:

Barbara Rosenberg e outros.

Relatora:

Conselheira Paula Farani de Azevedo Silveira

VOTO Da RELATORa 

 VERSÃO PÚBLICA

Ementa:

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE APURAÇÃO DE ATO DE CONCENTRAÇÃO. ato de concentração não notificado, mas cuja submissão pode ser requerida pelo Cade. UTILIZAÇÃO DA FACULDADE DO ART. 88, § 7º DA LEI Nº 12.529/11.

Utilização do art. 88, § 7º da Lei nº 12.529/11 como competência residual do CADE para requisição de submissão de atos de concentração de notificação não obrigatória, uma vez que critérios objetivos nem sempre capturam de forma adequada se operação gerará efeitos negativos à concorrência.

A análise de mérito do APAC deve recair sobre a conveniência e oportunidade para requisição da submissão de ato de concentração.

A existência de indícios de probabilidade de exercício de poder de mercado é suficiente para a determinação de notificação de ato de concentração, após análise de conveniência e oportunidade da autoridade antitruste.

 

voto

I. PRELIMINARES

I.1. Do conhecimento do recurso interposto pela Prosegur

Em 17 de janeiro de 2020, com fundamento no art. 15, §§ 1º e 2º da Resolução nº 24/2019, a Representada Prosegur Brasil Transportadora de Valores e Segurança S.A. (“Prosegur”) interpôs recurso em face do Despacho SG 1652/2019 (SEI 0708929 e 0708941), proferido pelo Superintendente-Geral do CADE, que decidiu pela notificação da operação realizada entre a Prosegur e a Sacel – Serviços de Vigilância e Transporte de Valores – Eireli (“Sacel”) (“AC Prosegur/Sacel”) ao CADE, nos seguintes termos:

 

"Procedimento Administrativo de Apuração de Ato de Concentração nº 08700.005079/2019-06. Representante: Cade ex officio. Representada: Prosegur Brasil Transportadora de Valores e Segurança S.A. Advogados: Barbara Rosenberg e outros.Acolho a Nota Técnica nº 31/2019/CGAA1/SGA1/SG/CADE e, com fulcro no §1º do art. 50 da Lei 9.784/99, integro as suas razões à presente decisão, inclusive quanto a sua motivação. Decido pela notificação ao Cade da operação realizada entre a Prosegur Brasil Transportadora de Valores e Segurança S.A. e a Sacel – Serviços de Vigilância e Transporte de Valores – Eireli, nos termos do art. 13, XII e art. 88, § 7º da Lei nº 12.529/11, c/c art. 15, II da Resolução Cade nº 24/2019, no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir do decurso in albis do prazo previsto nos art. 3º e art. 15, § 1º, da mesma Resolução, ou da ciência da decisão do Tribunal Administrativo que determinar a notificação do ato de concentração. Intimem-se as partes”.

 

De acordo com o art. 15, § 1º da Resolução nº 24/2019, na hipótese em que a Superintendência-Geral do CADE (“SG/CADE”) decidir pela determinação de notificação de ato de concentração, nos termos do art. 88 da Lei nº 12.529/11, a empresa participante do respectivo ato de concentração poderá interpor recurso ao Tribunal Administrativo no prazo de 15 dias, contados a partir da ciência da decisão da SG/CADE. Por conta de tal dispositivo, entendo que o recurso interposto pela Prosegur se demonstra cabível no presente processo.

Já no que diz respeito à tempestividade, a Representada foi intimada do referido despacho em 02 de janeiro de 2020 (SEI 0703205), tendo, no mesmo dia, formalizado a ciência de seu recebimento (SEI 0704238). O recurso foi protocolado no dia 17 de janeiro de 2020 (i.e., dentro do prazo de 15 dias estabelecido no art. 15, § 1º da referida Resolução) e, portanto, é tempestivo.

Por fim, quanto à legitimidade e ao interesse para recorrer, ambos os requisitos estão preenchidos. No caso, a Prosegur é parte diretamente envolvida no AC Prosegur/Sacel e possui interesse direto no desfecho do presente processo. Em adição, há adequação recursal, uma vez ser este o meio adequado para recorrer ao Despacho SG 1652/2019.

Assim, por estarem preenchidos todos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, voto pelo conhecimento do recurso.

 

II. MÉRITO

Trata-se de Procedimento Administrativo de Apuração de Ato de Concentração (“APAC”) instaurado pela SG/CADE, após tomar conhecimento de operação de aquisição de controle da Sacel pela Prosegur.

Por meio da Nota Técnica nº 31/2019/CGAA1/SGA1/SG/CADE (SEI 0702432), acatada pelo Despacho SG 1652/2019 (SEI 0702487), a SG/CADE concluiu que a operação em apuração não se configuraria como um ato de concentração de notificação obrigatória, conforme disposto no artigo 88, incisos I e II, da Lei nº 12.529/11. Por outro lado, entendeu que tal operação se enquadraria no inciso III do art. 1º da Resolução nº 24/2019, razão pela qual determinou a requisição da apresentação da operação ao CADE, nos termos do art. 88, § 7º da Lei nº 12.529/11 e art. 15, inciso II da Resolução nº 24/2019, de forma a verificar os seus impactos no mercado de transporte e custódia de valores no estado de Sergipe.

Adianto, de início, que concordo com os argumentos e conclusões constantes na mencionada Nota Técnica da SG/CADE, motivo pelo qual os acato em sua integralidade. Por conta disso, entendo não ser necessário expor novamente todos os pontos desenvolvidos pela SG/CADE, razão pela qual delimitarei a minha análise às alegações e razões expostas pela Representada em sede de recurso.  

Registro, ainda, que a determinação de submissão da operação ao CADE é tempestiva, pois está sendo requerida antes do decurso do prazo de um ano fixado no § 7º do art. 88 da Lei nº 12.529/2011, tendo em vista que a consumação da operação ocorreu em [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR], conforme informação fornecida pela própria Representada (SEI 0676260).

 

II.1. Do não enquadramento do AC Prosegur/Sacel no art. 88, caput, da Lei nº 12.529/11

Embora o não enquadramento do AC Prosegur/Sacel no art. 88, caput, da Lei nº 12.529/11 não tenha sido objeto de discussão específica no recurso interposto pela Representada, entendo necessário apenas consignar que, conforme informações prestadas pela Prosegur (SEI 0676260), o faturamento bruto do Grupo Sacel no ano de 2017 (i.e., ano anterior à celebração do AC Prosegur/Sacel[1]) foi de [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR].

Dessa forma, uma vez que o Grupo Sacel não preencheu quaisquer dos critérios de faturamento constantes do art. 88, incisos I e II da Lei nº 12.529/11, concordo com o entendimento apresentado pela SG/CADE, e entendo que o AC Prosegur/Sacel não é de submissão obrigatória ao CADE.

Consequentemente, não há que se falar em infração ao art. 88, §§ 3º e 4º da Lei nº 12.529/11.

 

II.2. Da faculdade de utilização do art. 88, § 7º da Lei nº 12.529/11 pelo CADE: análise de conveniência e oportunidade

Como é sabido, a Lei nº 12.529/11 alterou os critérios de notificação de atos de concentração no Brasil, uma vez que instituiu como proxy o porte econômico das partes para analisar o controle de estruturas, retirando o critério de participação de mercado[2]. Nesse sentido, uma vez atingidos os faturamentos ou volume de negócios dispostos no art. 88 Lei nº 12.529/2011, os atos de concentração dispostos no art. 90 deverão ser submetidos para análise prévia e aprovação do CADE.

Ocorre que critérios objetivos nem sempre capturam de forma adequada se uma operação gerará efeitos negativos à concorrência[3]. Por conta disso, a lei de defesa da concorrência atribuiu ao CADE, conforme art. 88, § 7º, a competência residual para requerer a submissão de atos de concentração de notificação não obrigatória. Trata-se de um mecanismo que permite à autoridade revisar operações que, embora não tenham alcançado os critérios de faturamento mencionados acima, possuem o potencial de gerar problemas concorrenciais. Recentemente, tal dispositivo, antes disciplinado pela Resolução nº 13/2015, encontra-se regulamentado pela Resolução nº 24/2019.

Nesse contexto, apesar do art. 88, § 7º ter limitado tal requisição ao prazo de 1 (um) ano, a contar da data da consumação do respectivo ato de concentração, a Lei nº 12.529/11 deixou em aberto as situações nas quais o CADE pode se valer de tal determinação. Por conta disso, a aplicação de tal dispositivo consiste em uma discricionariedade da autoridade que, a partir de uma análise de conveniência e oportunidade, verificará se existem fundamentos para requerer a submissão de operações de notificação não obrigatória ao CADE.

Ressalto, quanto a este ponto, que o CADE tem feito uso de tal competência de maneira excepcional e cautelosa, uma vez que, em um universo de aproximadamente 3.034 operações analisadas desde a entrada em vigor da Lei nº 12.529/11[4], o presente APAC seria apenas o quarto processo em que a prerrogativa do art. 88, § 7º estaria sendo utilizada[5]. Trata-se, assim, de um número irrisório para o controle de concentrações, que sinaliza um caráter de excepcionalidade na utilização do art. 88, § 7º e, consequentemente, evidencia que o controle de concentrações no Brasil está sendo devidamente empregado pelo CADE.   

No que diz respeito ao presente recurso, conforme mencionado acima, entendo que a análise de mérito deve recair sobre a conveniência e oportunidade do CADE em determinar a submissão do AC Prosegur/Sacel, e não propriamente sobre o mérito de tal operação. Nesse sentido, caso a operação venha a ser submetida ao CADE, caberá primeiramente à SG/CADE analisar o seu mérito, conforme rito próprio disposto no art. 53 e seguintes da Lei nº 12.529/11 e art. 106 e seguintes do RICADE.

Passo, portanto, à análise de conveniência e oportunidade para a determinação da submissão do AC Prosegur/Sacel ao CADE.       

 

II.2.1 Dos indícios de probabilidade de exercício de poder de mercado pela Prosegur no mercado de prestação de serviços de transporte e custódia de valores no estado de Sergipe

Ao analisar as razões expostas no recurso, a Prosegur alegou que a operação ora em discussão “não gerou quaisquer prejuízos à concorrência, pois envolveu concorrente pouco relevante no mercado de Sergipe, estado em que ainda há rivalidade efetiva e baixas barreiras à entrada e à expansão”. De acordo com a Representada, tal constatação seria comprovada pelo “início da operação de dois novos players (sendo um deles uma empresa verticalizada - TBForte - com atuação disruptiva)[6].

Nessa linha, argumentou que as características estruturais do mercado de transporte de valores evidenciam tratar-se de uma atividade com baixas barreiras à entrada e à expansão. Em razão disso, a possibilidade de exercício de poder de mercado por um agente dominante seria eliminada por empresas concorrentes – seja pela entrada de novos players ou pela expansão daquelas já presentes no mercado[7].

Com base nas informações prestadas pela Prosegur, a SG/CADE realizou uma análise preliminar acerca dos efeitos concorrenciais gerados pelo AC Prosegur/Sacel. Na ocasião, definiu o mercado relevante, na dimensão produto, como a “prestação de serviços de transporte e custódia de valores”. Já quanto à dimensão geográfica, ao considerar critérios estabelecidos em precedentes do setor já analisados pelo CADE[8], adotou o estado de Sergipe “por se considerar como uma primeira aproximação útil para a análise da presente APAC e tendo em vista que todos os municípios de Sergipe distarem menos de 200km de Aracaju, que é a capital e escolha provável de sede para uma base operacional para a atividade de transporte de valores[9].

Assim, segundo dados fornecidos pela própria Prosegur (SEI 0686469), a SG/CADE elaborou a seguinte estrutura de oferta, referente ao ano de 2017:

 

Tabela 1 –

Estrutura de oferta do mercado de transporte e custódia de valores no estado de Sergipe (2017)

[ACESSO RESTRITO À PROSEGUR]

 Empresa

Carros-Fortes

Participação

Prosegur

RESTRITO

50-60%

Sacel

RESTRITO

30-40%

Preserve

RESTRITO

0-10%

TOTAL

RESTRITO

100%

Prosegur + Sacel

RESTRITO

90-100%

HHI Antes

4.600-4800

 

HHI Depois

8.600-8800

 

Variação de HHI

4.000-4200

 

Fonte: elaboração SG, a partir de dados da Prosegur

 

Conforme se observa, os dados informados pela Representada apontam para um cenário de elevada concentração no mercado ora analisado. A Prosegur, que antes da operação já desfrutava de uma posição de liderança (50-60%) no mercado  [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR], passou a ser praticamente a monopolista de fato ao deter uma participação de 90-100% [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR].

Além disso, ao analisar o índice de concentração de mercado e nexo de causalidade, vislumbro que o HHI anterior à operação, de 4.600-4800 pontos [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR], já indicava um grau de concentração excessivamente alto. Após a operação, o HHI resultante seria de 8.600-8800 pontos [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR], gerando uma variação de 4000-4200 pontos [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR] pontos. De acordo com o “Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal”, “operações que resultem em mercados com HHI acima de 2.500 pontos, e envolvam variação do índice acima de 200 pontos (ΔHHI > 200) presumivelmente geram aumento de poder de poder [SIC] de mercado. Essa presunção poderá ser refutada por evidências persuasivas em sentido contrário[10].

Dessa forma, neste cenário preliminar de concentração excessiva, seria necessário verificar se, uma vez presentes elementos inibidores de exercício de poder de mercado (tais como entrada esperada e rivalidade efetiva), estes, em conjunto com eventuais ganhos de eficiência, seriam suficientes para ao menos neutralizar os efeitos anticompetitivos decorrentes da operação.

Ocorre que, muito embora a Representada tenha afirmado haver um número maior de players no estado de Sergipe (e.g. TBForte e Kairós Segurança), e que, após a operação, tal estado ainda contaria com uma rivalidade efetiva e baixas barreiras à entrada, informou, por outro lado, que não dispunha de dados de mercado suficientemente precisos que lhe permitiriam estimar a estrutura de mercado[11]. Por conta disso, entendo que uma análise mais aprofundada sobre os efeitos concretos do AC Prosegur/Sacel restou prejudicada, tendo-se destacado (ainda que preliminarmente), conforme exposto acima, um cenário de concentração significativa no mercado de prestação de serviços de transporte e custódia de valores no estado de Sergipe.

Dessa forma, ainda que a Representada venha a apresentar futuramente informações detalhadas sobre a estrutura e dinâmica do mercado em Sergipe que evidenciem um cenário diverso daquele demonstrado acima, entendo que, para fins de conveniência e oportunidade, os efeitos anticompetitivos preliminares são, prima facie, suficientes para apontar que o AC Prosegur/Sacel possui alta probabilidade de gerar problemas concorrenciais no mercado definido.

Passo, assim, para o próximo argumento apresentado pela Representada.      

 

II.2.2 Da justificativa econômica do AC Prosegur/Sacel

A Prosegur alegou que o AC Prosegur/Sacel consistiu na “simples aquisição de 15 carros-fortes pela Prosegur, além da possibilidade de manter contratos com clientes que eram detidos pela empresa Sacel. Sua realização ocorreu devido a interesses econômicos legítimos das partes envolvidas e teve reflexos positivos no mercado transporte de valores em Sergipe[12]

De acordo com a Representada, a Sacel alienou os seus ativos em virtude de uma decisão estratégica independente de encerrar as suas atividades de transporte de valores e alocar esforços a outras áreas de atuação da empresa, tais como vigilância privada e segurança patrimonial, que possuíam melhor desempenho do que as suas atividades de transporte de valores[13].

Já para a Prosegur, a operação se fundou em justificativas econômicas legítimas e gerou sinergias, indicadas ao longo do recurso, que somariam cerca de [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR] [14]. A Representada alegou que o principal objetivo da empresa com a operação não estaria relacionado à expansão de suas atividades no estado de Sergipe, mas sim ao reforço da sua frota e ao aumento de densidade de suas rotas por meio dos ativos adquiridos, que permitiram, por consequência, a diminuição de custos de mão-de-obra e distâncias percorridas. Com relação aos contratos adquiridos, a Representada alegou que manteve todas as condições comerciais anteriormente acordadas entre clientes e Sacel (em especial o valor dos contratos), ao mesmo tempo em que implementou melhorias relevantes nos serviços[15].   

Dessa forma, o que se observa das alegações da Representada é que a operação teria se dado com o intuito de reforçar a sua frota e aumentar a densidade de suas rotas, gerando, por conta disso, sinergias significativas, repassadas aos clientes.

No entanto, muito embora tais justificativas se demonstrem, a princípio, verossímeis e legítimas, ao me debruçar sobre as informações e documentos fornecidos pela Representada nos autos do presente APAC, entendo que tais justificativas estão ao menos incompletas ou imprecisas, conforme explicação abaixo.

De acordo com o [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR] celebrado entre a Prosegur e a Sacel[16], o preço da operação foi de [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR] e envolveu a aquisição de  [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR] (“ativos”). Nos termos da cláusula 3.1 (i) do contrato, [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR].

Considerando que em operações passadas analisadas por este Conselho, o preço estimado de um carro-forte seria de aproximadamente R$ 215 mil[20], o que se observa é que a aquisição de [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR] totalizaria um valor de cerca de [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR], representando, portanto, cerca de [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR] do valor da operação. Por conta disso, deduzo que os ativos de maior valor para a presente operação consistiram justamente nos clientes da Sacel, cuja cessão de cada um deles para a Prosegur implicou condição para o fechamento do contrato. Dessa forma, diferentemente do quanto alegado pela Representada, observo que o racional da operação se fundamentou na expansão da cartela de clientes da Prosegur e, assim, no crescimento não orgânico de suas atividades no estado de Sergipe.

Tais considerações são relevantes para a análise de conveniência e oportunidade aqui empregada, uma vez que, conforme explicitado pela SG/CADE, o AC Prosegur/Sacel se insere em um contexto relacionado ao recente movimento de concentrações no mercado brasileiro de transporte e custódia de valores[21], no qual sucessivas aquisições de concorrentes regionais realizadas por empresas de atuação nacional tem gerado preocupações significativas desta autoridade. Nesse sentido, conforme ressaltado pela SG/CADE, as empresas nacionais que têm sido mais ativas nas aquisições de transportadoras regionais foram a justamente a Prosegur, bem como a Brink’s[22].

Por conta disso, entendo que - à luz das justificativas econômicas da operação, que indicam uma expansão e, ainda que preliminarmente, uma completa dominação da Prosegur no estado de Sergipe -, a determinação da submissão do AC Prosegur/Sacel também se demonstra conveniente e oportuna para o CADE. 

 

II.2.3 Das preocupações concorrenciais endereçadas por meio do acordo de controle de concentrações no âmbito do ato de concentração nº 08700.003244/2019-87

Por fim, a Prosegur alegou que preocupações de ordem concorrencial relacionadas a possível movimento de concentração de mercado já teriam sido devidamente atendidas pela Prosegur por meio da celebração de acordo de controle de concentrações (“ACC”) no âmbito da operação envolvendo a Prosegur e a Transvip[23]. Na ocasião, a Prosegur se comprometeu a, dentre outras obrigações[24]:

 

​"3.1.1. (...) por um período de 3 (três) anos contados a partir da Data de Aprovação, não participar de atos de concentração envolvendo outras empresas que ofertem serviços de transporte de valores no Brasil, exceto se, cumulativamente: (i) a participação do grupo econômico da Compromissária no mercado de transporte de valores permanecer igual ou inferior a 20% em todos os estados em que houver sobreposição horizontal; e (ii) a participação combinada (C4) dos 4 (quatro) maiores grupos econômicos no mercado de transporte de valores permanecer igual ou inferior a 75%, em todos os estados em que houver sobreposição horizontal".

(...)

“3.2. Os compromissos previstos nas cláusulas 3.1.1, 3.1.2 e 3.1.3não se aplicam a: (i) atos de concentração que não impliquem aumento de participação do grupo econômico da Compromissária no segmento de transporte de valores no Brasil (i.e., operações em outros mercados ou que não envolvam ativos de transportadoras de valores no Brasil); e (ii) atos de concentração que impliquem redução da participação do grupo econômico da Compromissária no segmento de transporte de valores no Brasil (e.g., desinvestimentos)”.

 

Por conta disso, de acordo com a Prosegur, “o suposto movimento de concentração do mercado não poderia ensejar a requisição de submissão ao CADE de operação que não é de notificação obrigatória”, uma vez que, conforme reconhecido pela própria SG/CADE e confirmado pelo Tribunal, “essa questão já foi devidamente solucionada pela Prosegur, não havendo nenhum novo elemento que justifique reanálise do entendimento deste e. CADE[25].

Ocorre que, diferentemente do quanto argumentado pela Representada, as obrigações constantes do ACC celebrado no âmbito do referido ato de concentração, embora tenham endereçado as preocupações sobre o movimento de concentração do setor no tocante à Prosegur, compreenderam tão somente obrigações envolvendo operações futuras, mas não passadas (como é o caso do AC Prosegur/Sacel). Assim, não há que se falar que o ACC remediou as preocupações concorrenciais levantadas na operação envolvendo a Prosegur e a Sacel, uma vez que tal operação foi celebrada em 2018, momento anterior à celebração do ACC.

Entendo, portanto, que o objeto do presente APAC em nada confronta ou mesmo altera os compromissos assumidos entre o CADE e a Prosegur no ato de concentração referido acima, motivo pelo qual o argumento da Representada não merece prosperar.

Dessa forma, rejeito o presente argumento levantado pela Representada.

 

III. CONCLUSÃO

Conforme exposto ao longo do presente voto, entendo que existem fundamentos mais do que suficientes para que, com base em um critério de conveniência e oportunidade, o AC Prosegur/Sacel seja submetido ao CADE, nos termos do art. 88, § 7º da Lei nº 12.529/11. 

Por conta disso, concordo com a SG/CADE e determino a notificação da operação realizada entre a Prosegur e a Sacel ao CADE.

 

DisposiTIVo

Ante o exposto, tendo em vista que a operação envolvendo a Prosegur e a Sacel possui alta probabilidade de gerar efeitos anticompetitivos significativos no mercado de prestação de serviços de transporte e custódia de valores no estado de Sergipe, voto pelo conhecimento do presente recurso para, no mérito, rejeitá-lo.

Mantenho, dessa forma, a decisão da SG/CADE quanto à não obrigatoriedade de notificação do AC Prosegur/Sacel, tendo em vista o não preenchimento dos critérios dispostos no art. 88, incisos I e II da Lei nº 12.529/11.

Da mesma forma, considerando a tempestividade para a utilização do art. 88, § 7º da Lei nº 12.529/11 no presente caso, mantenho, nos termos do Despacho SG nº 1652/2019 (SEI 0702487) e com base no art. 88, § 7º da Lei nº 12.529/11 c/c art. 15, inciso II da Resolução 24/2019, a determinação de notificação da operação realizada entre a Prosegur e a Sacel ao CADE, no prazo de 30 (trinta) dias contados da publicação da presente decisão.  

É o voto.

PAULA FARANI DE AZEVEDO SILVEIRA

Conselheira-Relatora

(assinado eletronicamente)

 

[1] Especificamente, a operação foi celebrada em [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR]. 

[2] Anteriormente, durante a vigência da Lei nº 8.884/94, as participações de mercado das partes envolvidas na operação também eram utilizadas como critério de submissão de atos de concentração perante o CADE. Com o advento da Lei nº 12.529/2011, o critério de faturamento ou volume de negócios passou a ser o único considerado para fins de notificação dos atos de concentração previstos no art. 90 da Lei nº 12.529/2011.

[3] Nesse sentido, vide: Organisation for Economic Co-operation and Development - OECD. Working Party No. 3 on Co-operation and Enforcement. Local nexus and jurisdictional thresholds in merger control. Background Paper by the Secretariat. Disponível em:  http://www.oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?cote=DAF/COMP/WP3(2016)4&docLanguage=En. Acesso em 03.02.2020: “Conforme observado acima, critérios de notificação claros e objetivos nem sempre capturam adequadamente se uma operação é provável de provar-se problemática. A principal consequência é que a grande maioria das transações notificadas não gera problemas concorrenciais, enquanto algumas transações que podem criar problemas concorrenciais não precisam ser notificadas ”(p. 16); “O nível atual dos critérios de notificação é crucial para o bom funcionamento dos sistemas de controle de concentrações. Se os critérios definidos forem muito altos, um número de fusões anticompetitivas poderá evitar o escrutínio do controle de concentrações. Se os limites forem muito baixos, no entanto, pode haver um número excessivo de notificações, impondo custos desnecessários tanto para as partes quanto para as autoridades da fusão. (p.7) Tradução livre de: “As noted above, clear and objective notification thresholds do not always adequately capture whether a transaction is likely to prove problematic. The main consequence is that the overwhelming majority of notified transactions do not give rise to competition issues, while some transactions that may give rise to competition issues do not have to be notified at all” (p. 16);  “The actual level of notification thresholds is crucial to well-functioning merger control systems. If thresholds are set too high, a number of anticompetitive mergers may evade merger control scrutiny. If thresholds are set too low, though, there may be an excessive number of notifications, imposing unnecessary costs on both merger parties and authorities (p.7).

[4] Conforme estimativas internas do CADE.

[5] Vide, nesse sentido, Apurações de Ato de Concentração nº 08700.006355/2017-83 (Representante: Cesar Mesquita de Oliveira. Representados: SM Empreendimentos Farmacêuticos S.A. e All Chemistry do Brasil Ltda.), julgado em 05.09.2018; e 08700.009828/2015-32 (Representante: GE Healthcare do Brasil Comércio e Serviços para Equipamentos Médico-Hospitalares Ltda. Representadas: Guerbet Produtos Radiológicos Ltda. e Mallinckrodt do Brasil), conforme decisão da SG/CADE proferida em 29.06.2016 e não impugnada pelas Representadas. Por fim, no que diz respeito ao Ato de Concentração nº 08700.006497/2014-06 (Requerentes: Greca Distribuidora de Asfaltos Ltda., Betunel Indústria e Comércio Ltda. e Centro Oeste Asfaltos Ltda.), a operação foi notificada ad cautelam pelas partes, uma vez que não atingiram os critérios de faturamento dispostos no art. 88 da Lei nº 12.529/11. Não obstante, a SG conheceu a presente operação, com base no art. 88, § 7º, uma vez ter ensejado a análise da operação por conta da participação de mercado razoavelmente elevada das partes em alguns mercados. A operação foi aprovada sem restrições em 16.10.2014. 

[6] Recurso interposto pela Prosegur (SEI 0708941), p. 4.

[7] Op. Cit., p. 11.

[8] Cf. Nota Técnica nº 31/2019/CGAA1/SGA1/SG/CADE (SEI 0702432): “Quanto à dimensão geográfica do mercado relevante, nos precedentes desse setor analisados pelo CADE, tem-se utilizado dois critérios para definir os [sic] mercado relevante geográfico: o critério estadual, onde o mercado é delimitado por cada unidade da federação; e o critério por raio, onde o mercado é delimitado pela região formada por um raio (usualmente de 150 km, mas com a ressalva de que esse valor pode variar a depender de características específicas de cada região) a partir das bases operacionais da empresa adquirida”, p. 3.

[9] Op. Cit., p. 3.

[10] Disponível em: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-para-analise-de-atos-de-concentracao-horizontal.pdf/view. Acesso em 31.01.2020, p. 25.

[11] SEI 0676260, p. 3.

[12] Op. Cit., p. 5.

[13] Op. Cit., p. 5.

[14] Op. Cit., p. 6.

[15] Nesse sentido, vide páginas 6 e 7 do Recurso interposto pela Prosegur (SEI 0708941).

[16] Conforme petição protocolada pela Prosegur em 23.01.2020 (SEI 0711048).

[17] Vide cláusula 1.3. e Anexos A.2 e A.2.2. (SEI 0711048 e 0712222). 

[18]  [ACESSO RESTRITO À PROSEGUR].

[19] Vide cláusula 3.3.

[20] Vide, nesse sentido, informações sobre o preço do carro-forte fornecidas pelas Requerentes do Ato de Concentração nº 08700.003662/2018-93 (AC Prosegur/Transfederal): SEI 0485138, p. 72.

[21] Cf. Nota Técnica nº 31/2019/CGAA1/SGA1/SG/CADE (SEI 0702432), p. 4 e seguintes.

[22] Op. Cit., p. 6.

[23] Ato de concentração nº 08700.003244/2019-87. Julgado pelo Plenário do CADE em 11.12.2019.

[24] SEI 0696996.

[25] Op. Cit., p. 15 e 16.


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Documento assinado eletronicamente por Paula Farani de Azevedo Silveira, Conselheira, em 11/02/2020, às 10:35, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014.


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Referência: Processo nº 08700.005079/2019-06 SEI nº 0718080