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Por — Rio de Janeiro

Com um videoclipe interpretando o comportamento social de cangurus por meio da dança, o cientista brasileiro Weliton Menário Costa foi premiado nesta segunda-feira no concurso 'Dance Your Ph.D.' (Dance seu PhD). A competição é organizada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência e pela revista Science, uma das mais prestigiadas publicações acadêmicas do mundo.

O objetivo do concurso é incentivar pesquisadores a explicarem suas pesquisas de doutorado por meio de "dança interpretativa". Usando uma mistura dos gêneros disco, club e funk, além de humor e uma linguagem acessível e educativa, Weli, como gosta de ser chamado, produziu o clipe "Kangaroo Time". Biólogo e doutor em ecologia pela Australian National University, Weli nasceu e cresceu no interior do Espírito Santo e se mudou para o outro lado do mundo em 2017.

O vídeo produzido por ele explica que a espécie mais famosa da Austrália tem comportamentos influenciados por uma tendência intrínseca. Segundo ele, a pesquisa identificou que esses animais têm personalidades únicas e costumam conviver em comunidades com outros indivíduos que têm personalidades parecidas, mas quando começam a mudar de grupo, ajustam o comportamento para parecer mais similar aos indivíduos da nova comunidade.

Brasileiro ganha prêmio por clipe explicando pesquisa de doutorado sobre cangurus e diversidade — Foto: Nic Vevers/The Australian National University
Brasileiro ganha prêmio por clipe explicando pesquisa de doutorado sobre cangurus e diversidade — Foto: Nic Vevers/The Australian National University

— Essa variação natural já existe na dança, nos diferentes estilos. Daí nasceu o conceito do vídeo. Eu trouxe uma galera latina, as pessoas com quem eu já dançava, mas tive que ir além da minha rede para conseguir pessoas de outros estilos. As pessoas gostaram da proposta, se identificaram e todas participaram de forma voluntária — explicou o pesquisador em entrevista ao GLOBO.

Um dos temas centrais do vídeo é a diversidade, pauta muito importante para Weli, que é gay. Para ele, cientistas da área da biologia são mais receptivos à diversidade por causa da importância que as diferenças têm para o método científico, "mas o mundo ainda não é". O pesquisador brasileiro conta que a chegada à universidade na Austrália foi difícil porque, apesar da pluralidade, considera que a Academia ainda é um ambiente muito elitista e diferente da "roça onde cresceu". No entanto, ele destaca que apesar das diferenças, há nesse espaço respeito e apreço pela diversidade.

— Desde quando apliquei para o doutorado, eu tinha uma clareza de que queria estudar animais sociais. Eu acho que tudo vem da questão de eu ser gay e de um lugar tradicional e pequeno e ter essa influência tão forte do ambiente social moldando a forma como você vai se comportar, como você se expressa ao longo do meu crescimento inteiro. Quando eu comecei a estudar caprinos eu via o efeito e também a importância do ambiente social para outros animais que não eram humanos.

Brasileiro ganha prêmio por clipe explicando pesquisa de doutorado sobre cangurus e diversidade — Foto: Nic Vevers/The Australian National University
Brasileiro ganha prêmio por clipe explicando pesquisa de doutorado sobre cangurus e diversidade — Foto: Nic Vevers/The Australian National University

Na Austrália, Weli disse que foi "fascinante" descobrir, do outro lado do mundo, a paixão de pessoas de uma cultura tão diferente pela cultura brasileira. Alguns desses amigos, segundo ele, o motivaram a realizar o clipe que ganhou o concurso. Um deles, que estudava música na mesma universidade, disse que o brasileiro poderia usar o estúdio da instituição de graça, mas que seria mais fácil de conseguir se a produção musical tivesse alguma relação com a pesquisa dele sobre os cangurus — destacou.

Entre os jurados da competição estão artistas, dançarinos e cientistas. “Houve uma sensação de surpresa e alegria no vídeo. Dava para perceber que eles estavam se divertindo durante o processo, que não era uma experiência difícil e estressante”, disse a jurada Alexa Meade, artista visual, à revista Science. Segundo a publicação, ela também elogiou a composição e figurinos originais do vídeo, além da simplicidade e acessibilidade com que Weli explica a ciência relacionada à dinâmica de grupos de cangurus.

O concurso existe desde 2008 e premia cientistas nas categorias de biologia, química, física e ciências sociais com US$ 750 cada, cerca de R$ 3.700. Um dos quatro vencedores das categorias específicas também recebe o prêmio geral de US$ 2.000, o equivalente a quase R$10 mil.

De Ribeirão do Meio para o mundo

O cientista premiado é natural de Ribeirão do Meio, uma comunidade no município de Conceição do Castelo, no interior do Espírito Santo. Aos 15 anos, Weli se mudou para Alegre, também no interior do estado, a cerca de 85 quilômetros da cidade natal, para estudar numa escola agrotécnica, que hoje constitui o Campus Alegre do Instituto Federal do Espírito Santo. Crescido num sítio, o cientista contou ao GLOBO que sua família era toda composta por trabalhadores rurais e o acesso a educação era precário na região. De origem humilde, sua taxa de inscrição para o concurso da escola técnica foi pago pela irmã, que já trabalhava aos 17 anos.

— Meus avós paternos eram descendentes de negros escravizados e meus avós maternos de italianos. Tanto meu pai quanto minha mãe tinham 10 irmãos. Na minha comunidade não é muito comum estudar, mas a minha mãe, a mais velha de todos os irmãos, decidiu sair de casa aos 18 anos para estudar e se formou no ensino médio aos 28 anos. Ela sempre foi minha referência para gostar da escola desde cedo — comentou o cientista.

Motivado por uma professora de biologia da escola, Weli decidiu aplicar para cursar licenciatura em biologia no Instituto Federal. O jovem, que já realizava pesquisas na área como bolsista ainda no Ensino Médio, foi aprovado num concurso federal para trabalhar como auxiliar administrativo na instituição durante a faculdade.

— Na época, meu salário foi de R$ 180 para R$ 1.800, em 2012. Eu pagava um aluguel de R$ 80 e dividia um quarto muito pequeno, de uns dois metros quadrados. E sobravam R$100 para viver por mês — relatou o pesquisador.

Ao final da graduação, Weli conseguiu uma bolsa do programa Ciências Sem Fronteiras para estudar em Brisbane, na Austrália. Sem ter nenhum conhecimento prévio da língua inglesa, o jovem teve a oportunidade de estudar o idioma por seis meses no local para se submeter a um exame de proficiência antes de começar de fato a estudar na universidade australiana por um ano.

— Quando voltei para o Brasil, eu tinha mudado, mas eu voltei para a mesma cultura. E eu ainda não tinha contado para ninguém sobre a minha sexualidade. Eu me sentia um pouco sufocado com tudo isso e decidi começar a aplicar para fazer doutorado fora. Eu ainda não tinha mestrado, mas era mais fácil conseguir bolsas integrais para doutorado que para mestrado, então eu me candidatava e justificava com a experiência acadêmica que tive durante a graduação — explicou.

Desde que começou o doutorado, em 2017, Weli mora na Austrália. Ele conta que o lançamento da música e do clipe vencedores do concurso o permitiram traduzir para sua família o seu trabalho acadêmico e a razão para estar tão longe deles por tanto tempo.

Brasileiro ganha prêmio por clipe explicando pesquisa de doutorado sobre cangurus e diversidade — Foto: Nic Vevers/The Australian National University
Brasileiro ganha prêmio por clipe explicando pesquisa de doutorado sobre cangurus e diversidade — Foto: Nic Vevers/The Australian National University

— Estar alcançando esses espaços que são tão distantes da gente e conseguir trazer isso para um ambiente de visibilidade e com arte, com algo que as pessoas realmente param para prestar atenção, e que a minha família parou para prestar atenção foi emocionante — disse.

Da Academia para a arte

Desde que terminou o doutorado pela Australian National University, em 2021, Weli decidiu que não queria seguir a carreira acadêmica e se comprometeu a investir mais em seu lado criativo, se dedicando a aulas de dança e canto, fazendo apresentações musicais e compondo as próprias canções.

— Eu amo ciência, eu amo toda essa história que eu tive com a ciência, mas eu ainda precisava criar algo que fosse meu e eu não achava que a ciência me dava essa oportunidade porque é tudo muito engessado. A validação científica é um processo burocrático e há muito criticismo também, e aquilo não combinou comigo, não me fazia feliz o suficiente para eu ter energia para continuar.

Hoje, aos 32 anos, Weli se prepara para lançar seu primeiro EP em março, "Yours Academically, Dr. WELI", no qual conta sobre a sua transição da Academia para a música. "Kangaroo Time", que lhe rendeu o prêmio de US$ 2.750, é a primeira faixa do álbum. O músico afirmou que, apesar do momento ainda um pouco incerto, pretende usar o dinheiro do concurso para continuar investindo em seu lado artístico.

— Eu já vivi coisas impossíveis o suficiente para saber que agora eu posso fazer o impossível de novo, porque não existe "impossível", existe falta de planejamento e falta de preparação. O que torna as coisas possíveis é você estar preparado na hora que a oportunidade vem — ressaltou o cantor.

Apesar da pouca experiência no ramo musical, Weli se motiva com sua própria história e acredita que ela pode ser sua maior aliada na nova trajetória.

— Eu posso não ser o melhor cantor, mas eu me preparei vocalmente para eu ser o melhor que eu pude mesmo que trabalhando como cientista ainda e não fazendo shows como um cantor profissional faz todos os dias. Mas acho que estou preparado o suficiente para começar a minha carreira e para escrever as minhas músicas. Eu acho interessante e o mais importante de tudo é que eu tenho história e não existe cantor no mundo, por melhor que ele seja, que tenha a mesma história que eu — destacou.

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